Pais de duas crianças hiperactivas contam porque é que os filhos têm de saltar de escola em escola.
O ano está perdido para Rodrigo. No segundo período, o aluno de 12 anos teve negativas em todas as disciplinas e é com frequência expulso da sala de aula. Rodrigo frequenta o 6.o ano na Escola Básica 2+3 Piscina - Olivais (Lisboa) e é um rapaz irrequieto. Interrompe as conversas dos outros, está sempre a provocar a risota dos colegas e, nos últimos meses, ganhou o hábito de desafiar os professores, sempre que é contrariado. Em Abril foi suspenso durante dois dias e, a menos de três semanas do ano lectivo terminar, a directora de turma voltou a avisar a mãe que uma nova suspensão do filho pode estar a caminho. David Rocha tem dez anos, está a frequentar o 4.o ano no Colégio de Trofa e é também considerado um aluno complicado. Às vezes insulta os professores, às vezes agride os colegas e outras vezes fica tão furioso que atira com a mochila ao chão, dá pontapés nas cadeiras e grita tanto que ninguém consegue calá-lo.
Rodrigo sofre de hiperactividade impulsiva; David de hiperactividade impulsiva e compulsiva, doença diagnosticada quando ambos tinham cinco anos e que os levou a saltitar de escola em escola porque têm dificuldade em adaptarem--se às rotinas escolares. Há anos em que tudo corre bem e anos em que tudo corre mal. "O comportamento e as notas do meu filho dependem muito da boa vontade dos professores", desabafa Raquel do Bem, mãe de Ricardo. Cândida Rocha diz o mesmo de David: "Quando os professores são atenciosos, o meu filho vai conseguindo ter aproveitamento escolar, quando isso não acontece, o seu comportamento torna-se mais instável." Este ano tudo corre mal e ambos estão prestes a mudar de escola. David e Rodrigo moram longe um do outro e nem se conhecem, mas ambos têm um percurso escolar repartido em vários estabelecimentos de ensino público e privado.
Queixas. A meio do 3.o ano, Rodrigo deixou a Escola Básica 113 Paulino Montez, em Lisboa, porque os pais se cansaram de ouvir a professora queixar-se que a irrequietude do aluno nada tinha a ver com hiperactividade. Passou a frequentar a Cooperativa de Ensino Nova Cultura, em Moscavide, onde terminou o 3.o ano e ainda completou o último ano do primeiro ciclo. Hugo e Raquel ficaram convencidos de que encontraram a escola ideal para o seu filho: Rodrigo estava numa turma com menos de 20 alunos, gostava da professora e "teve sempre boas notas", conta o pai. E foi nessa altura que surgiu mais um imprevisto: "Fiquei desempregado e tornou-se incomportável pagar uma mensalidade de mais de 300 euros", conta o técnico de informática.
A solução foi mudar o filho para a Escola Básica Piscina-Olivais e a mudança trouxe novas queixas dos professores: "No primeiro período pedimos uma reunião com a directora de turma, que nem sequer sabia da doença do nosso filho, apesar de essa indicação constar do seu processo na escola." Raquel e Hugo distribuíram a informação sobre a doença do filho em vários envelopes que foram entregues aos professores de Rodrigo: a estratégia resultou. "O Rodrigo passou para as filas da frente, ficou sob maior vigilância dos professores e acabou o 5.o ano com "nota altas a todas as disciplinas", explica Hugo.
Este ano lectivo, Rodrigo tem novos professores e o seu comportamento voltou a piorar. Os pais asseguram que, no início das aulas, fizeram o mesmo que no ano lectivo anterior, mas sem sucesso: "Distribuímos a informação à directora de turma, mas desconfiamos que os envelopes não foram entregues aos restantes professores." O i contactou ontem o agrupamento escolar, mas a direcção esteve todo o dia em reuniões e indisponível para prestar esclarecimentos. Resta, portanto, a versão contada por Hugo e Raquel: "De tantas vezes que o nosso filho foi expulso acabou por desenvolver um sintoma de oposição, que foi diagnosticado na avaliação médica de Novembro." Rodrigo finge que não ouve os professores ou então faz questão de questionar todas as ordens dos adultos: "Mais um motivo para dizerem que é mal-educado", conclui o pai.
Ataques de fúria. David Rocha também mudou este ano de professor e os problemas regressaram. Tem sucessivos ataques de fúria, é agressivo na linguagem que usa com colegas e adultos e, em Janeiro deste ano, a direcção do Colégio da Trofa, avisou a mãe que o aluno teria de procurar outra escola. Cândida ignorou a ordem de expulsão: "Não foi uma comunicação oficial e portanto continuei a levar o meu filho às aulas." Só que desconfia que no próximo ano não será assim. O prazo de renovação da matrícula terminou no último dia de Maio e Cândida não recebeu em casa a carta da direcção do Colégio da Trofa para voltar a fazer a inscrição do seu filho. Perguntou o motivo, mas diz que ninguém na escola soube dar uma explicação: "Em Julho quando começarem as matrículas o colégio poderá recusar a sua admissão, argumentando que já não há mais vagas."
Contactado ontem pelo i, a direcção do colégio informou estar disponível para prestar esclarecimentos numa reunião a agendar a meio da próxima semana. Enquanto isso, Cândida Rocha diz não perceber o que correu mal neste ano lectivo: "Só posso concluir que o meu filho teve sorte com o professor do ano passado", desabafa a mãe.